Texto e fotos: Luiz Carlos Cenci
O 8º Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília, no estacionamento do Estádio Nacional Mané Garrincha, entre os dias 18 e 23 de março, superou as expectativas dos organizadores e já é a maior edição da história do evento, atendendo ao seu principal objetivo, que é colocar a água no topo da agenda política e da sociedade. O Fórum reuniu um público de mais de 120 mil visitantes de 172 países diferentes que, além de participarem das mais de 300 sessões temáticas no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, visitaram a Expo, que são restritas aos pagantes. Este ano o evento contou com dois espaços de acesso gratuito ao público: a Feira e a Vila Cidadã.
O Fórum Mundial da Água é o maior evento global sobre o tema e é organizado pelo Conselho Mundial da Água, uma organização internacional, que reúne cerca de 400 instituições relacionadas à temática de recursos hídricos em aproximadamente 70 países. O Conselho é composto de representantes de governos, da academia, sociedade civil, de empresas e organizações não-governamentais, formando um significativo espectro de instituições relacionadas com o tema água. O Conselho tem como missão “promover a conscientização, construir compromissos políticos e provocar ações em temas críticos, relacionados à água, para facilitar a sua conservação, proteção, desenvolvimento, planejamento, gestão e uso eficiente, em todas as dimensões, com base na sustentabilidade ambiental, para o benefício de toda a vida na terra”.
O Fórum Mundial da Água contribui para o diálogo do processo decisório sobre o tema em nível global, visando o uso racional e sustentável deste recurso. Por sua abrangência política, técnica e institucional, o Fórum tem como uma de suas características principais a participação aberta e democrática de um amplo conjunto de atores de diferentes setores, traduzindo-se em um evento de grande relevância na agenda internacional.
Agricultura Irrigada
A agricultura Irrigada foi tema de diversos debates durante o 8º Fórum Mundial da Água. Foram realizados diversos painéis e palestras que mostraram as tecnologias utilizadas nas propriedades rurais que ajudam na gestão dos recursos hídricos e diminuem o uso da água nas lavouras. Foram debatidos temas como o manejo e conservação do solo e da água, o manejo de irrigação em propriedades rurais, sistemas produtivos poupadores e eficientes no uso da água, revitalização de canais de irrigação, entre outros.
O engenheiro agrônomo e diretor técnico da Associação dos Irrigantes do Estado de Goiás (Irrigo), Renato Caetano, falou durante o evento, no espaço da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), sobre reestruturação hídrica nas propriedades rurais. Ele mostrou que a propriedade rural faz parte do ambiente total do local onde ela está inserida e que acaba se tornando um grande reservatório de água, ajudando a melhorar a produtividade e aumentar a renda do produtor.
Segundo ele, a reestruturação hídrica possui dois passos prioritários: infiltração e armazenamento. Para isso, é necessário apenas que o produtor adeque o seu manejo e o seu entendimento sobre a questão, assim, ele faz com que a sua propriedade se transforme em modelo de conservação. “Essa é a base, se eu não tiver escorrimento eu não vou ter degradação do solo e evito a erosão. Se eu me basear nesses dois pontos principais, o resto é tudo consequência”, afirmou Caetano.
Ele também explicou que a permanência do agricultor no campo passa pela reestruturação hídrica, principalmente para garantir produtividade e renda durante períodos de seca. Com esse tipo de adequação na propriedade, o produtor consegue melhorar a produtividade, reduzir o uso de insumos, diminuir o uso da água por bombeamento, inclusive de pivô, porque a água vai estar reservada, economizando assim em todo o processo de irrigação. “Primeiro, eu acredito que a reestruturação hídrica está voltada para a permanência desse agricultor no campo. Nós vamos mostrar para ele que a questão do meio ambiente é necessária. Com isso, ele vai melhorar a produtividade, e quem paga a conta é a soja. Quando a lavoura sentir um período de estiagem, a produtividade e as respostas das plantas serão melhores, elas vão sentir menos, interferindo menos na receita do produtor. Ele vai entregar um produto com mais sustentabilidade e se ele não preservar o ambiente de produção, a longevidade do processo diminui”, explicou Caetano.
Comissão Nacional de Irrigação
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) lançou, durante o 8º Fórum Mundial da Água, uma Comissão Nacional para tratar do uso da água na agricultura. A iniciativa reforça a importância do recurso como insumo estratégico para a agropecuária brasileira. Segundo o coordenador de sustentabilidade da CNA, Nelson Ananias Filho, a água será o insumo responsável por nortear o crescimento da agricultura. Ele explicou que o tema passará da subcomissão de recursos hídricos para a comissão nacional, o que ampliará as discussões. “É uma oportunidade de avançar com as demandas do setor. Ter um espaço para discutir nacionalmente o tema é um diferencial para o desenvolvimento da agricultura como um todo”, afirmou.
A pasta da irrigação atualmente está no Ministério da Integração Nacional, e a nova comissão da CNA pretende migrar a pasta para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Segundo Ananias, a irrigação se enquadra melhor nas competências do Mapa, pois exige políticas voltadas para o desenvolvimento do agronegócio.
A Comissão Nacional é composta por CNA, Federações de Agricultura e Pecuária e Associações de Irrigantes e atua como ponto focal de discussões das ações, políticas e posicionamentos do setor sobre o uso da água para a agropecuária.
Conflitos no uso da água
Os conflitos no uso da água em todo o mundo são constantes, no Brasil isso não é diferente. O pesquisador da Embrapa Cerrados, Lineu Rodrigues, falou sobre essa questão em uma palestra sobre gestão compartilhada da água. Segundo ele, a gestão é uma das principais estratégias para o manejo da irrigação e dos recursos hídricos. A demanda por alimentos será cada vez maior e, consequentemente, o consumo de água. Estima-se que 97% da agricultura brasileira é irrigada com água da chuva (plantação ou lavoura de sequeiro) e os outros 3% são irrigadas por sistemas de irrigação e que não necessariamente dependem da água da chuva. “No Brasil, em geral, usamos menos de 1% da nossa disponibilidade hídrica. O problema é que temos bacias críticas em termos de disponibilidade hídrica e que fazem uso intensivo da agricultura irrigada”, afirmou Rodrigues.
Um desses exemplos, citados por Rodrigues, é a bacia do Rio São Marcos, que abrange os estados de Goiás, Minas Gerais e o Distrito Federal. São 101.550 hectares irrigados com água desse rio, tendo 1.197 pivôs centrais. A maioria dessa área está a montante da Usina Hidrelétrica de Batalha, localizada entre os municípios de Paracatu (MG) e Cristalina (GO). São cerca de 71 mil hectares que acabam gerando diversos conflitos pelo uso da água para fins agrícolas e geração de energia.
Ambientes produtivos
Também esteve presente no evento, o assessor técnico da Irrigo, Bruno Vicente Marques, que falou sobre manejo sustentável do solo e da água na fazenda Maringá, localizada em Cristalina (GO). Segundo Marques, essa é uma propriedade modelo e que os grandes produtos da fazenda Maringá evoluíram além da soja, milho, trigo, feijão ou pecuária, por exemplo, e hoje, os grandes produtos da fazenda Maringá são solos produtivos através da inserção da variável ambiental em todas as atividades da fazenda.
Marques explicou que a fazenda Maringá tem um enfoque na construção de ambientes produtivos e isso se dá a partir do entendimento pleno das questões ambientais que existem na propriedade rural. Tudo que se colocar naquele solo, vai produzir e ser altamente produtivo. Hoje a propriedade trabalha com múltiplas culturas, desde a pecuária, passando pelos grãos e até a fruticultura como atividades econômicas. “Ou seja, o produto agrícola como a atividade econômica para viabilizar a vontade dos proprietários, de serem agricultores, com o grande produto que é a matéria orgânica, a infiltração da água e a redução dos escorrimentos superficiais. Então, são diversos fatores que levaram hoje, a fazenda Maringá, a construir ambientes produtivos e, consequentemente, aumentar a rentabilidade e a produtividade com a redução de gastos excessivos com defensivos e com outros insumos que são aplicados”, explicou Marques.
Segundo ele, com esse trabalho na construção de solos e ambientes produtivos e, a partir do momento que foi inserida variável ambiental nas atividades da fazenda, a rentabilidade aumentou exponencialmente. “Hoje, a Irrigo entende que esse modelo aplicado na fazenda Maringá é algo muito promissor. Ele se torna um fator determinante para se trabalhar na gestão da Bacia Hidrográfica do Rio Samambaia e, posteriormente, em outras bacias, principalmente em relação a agricultura irrigada”, ressaltou.