No contexto da crise hídrica, muito se especula sobre a necessidade de redução do consumo de água nas cidades. Mas, uma informação comprova que o perigo vem do campo: de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), a irrigação usada na agricultura usa 72% da água captada no país. Quais as consequências disso? A questão permeou uma mesa redonda realizada nesta segunda-feira , 27, no Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa), que reuniu pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Universidade de Brasília (UnB), além de representante do governo estadual.
O primeiro convidado a falar foi João Ricardo Raiser, da Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos do estado de Goiás (Secima). Para ele, quando se fala em crise hídrica e escassez de água, é preciso entender que não é a água do planeta que está ameaçada, mas sim sua disponibilidade de uso. “A água vai acabar? Esse é um mito. O que pode acontecer é ela não estar mais disponível na qualidade ou na quantidade que esperamos”, afirmou. Por outro lado, João Ricardo desconstruiu a ideia de abundância, uma vez que 97,5% estão nos mares e dos 2,5% de água doce, 68,9% estão contidos em geleiras e 30,8% estão nos subsolos. “Temos muito pouco disponível para uso, o equivalente a 0,3% do que existe na Terra. Portanto, é a gestão desse recurso que provoca disputas”, confirmou.
O último levantamento feito pela ANA, com data de 2014, indica a existência de 19,9 mil pivôs centrais em uma área total de 1,275 milhão de hectares. Minas Gerais, Goiás, Bahia e São Paulo concentram cerca de 80% desse espaço. Gracielly Cristina Carneiro, geógrafa egressa da FG, trouxe para o debate os resultados de seu mestrado, feito na UnB e publicado em livro (“Agricultura Irrigada no Foco da Geotecnologia”. Brasília: Ed. UnB, 2014). “Tento mostrar que é possível ter uma agricultura irrigada, mas que não seja prejudicial”, defendeu. Para ela, os problemas que podem vir a existir na captação da água para a irrigação, tais como desperdício ou liberação indiscriminada de concessões, podem ser resolvidos com pesquisa, planejamento, avaliação e rigor na outorga. “O problema não é a irrigação em si, mas como o uso é feito, sua necessidade, sua frequência. A água é um bem público e deve ser controlada pelo Estado”, declarou.
Outro olhar
Último convidado a se pronunciar, o professor do Iesa Marcelo Rodrigues Mendonça trouxe outra reflexão: “se há uma questão hídrica, e há, essa questão é precedida por uma questão agrária”. Ele convidou a plateia a fazer uma leitura a partir dos processos de modernização do território, com foco nas áreas do Cerrado. No debate, o professor convidou os presentes a lançarem outro olhar sobre o tema. “Há que se entender que as disputas pelos territórios têm lastro do ponto de vista do poder econômico ou das construções históricas em que os atores locais estão inseridos”, defendeu.
Conselho
O evento, intitulado “Água e agronegócio: para além dos mitos do consumo urbano”, foi organizado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas das Dinâmicas Territoriais (Laboter) e mediado pelo professor do IESA Romualdo Pessoa. A ideia foi aproveitar a lembrança do Dia Mundial da Água e promover uma reflexão junto aos discentes que neste semestre cursam a disciplina Geopolítica da Água.
Na oportunidade, Romualdo sugeriu que os pesquisadores se unissem para formular um documento público reivindicando a criação do Conselho Estadual de Gestão dos Recursos Hídricos. A informação da não existência dessa instância deliberativa, que poderia discutir e regular os usos da água em Goiás surgiu ao longo da conversa. Goiás e Acre são os únicos estados que não possuem tal Conselho.
Texto e foto: Patrícia da Veiga – Ascom UFG (Adaptado – Clique aqui para ler o texto na íntegra)