Diante do cenário atual, enfrentado em algumas regiões do país, em que passamos sérios problemas de distribuição das chuvas e abastecimento de água, que preocupam toda a sociedade e têm trazido grande prejuízo, não podemos deixar de considerar que a demanda de alimentos no mundo não para de crescer. Para abastecer a população mundial em 2050, que será de, aproximadamente, 9 bilhões de habitantes, a demanda por alimentos deve aumentar na ordem de 70%, sendo que 90% desse aumento deverá, obrigatoriamente, ocorrer sobre áreas já produtivas, ou seja, apenas 10% serão sobre novas áreas, segundo estudos da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). O Brasil será responsável por 40% desse aumento de produção, que só será possível graças a irrigação.
Hoje, a agropecuária irrigada contribui fortemente na manutenção acessível dos preços dos alimentos, pois permite a disponibilização deles durante todo o ano, evitando picos de inflação. O setor agropecuário mundial produz cerca de 5,5 bilhões de toneladas de alimentos, sendo que apenas um quinto de toda a área produtiva utiliza algum sistema de irrigação. Esses 20% de área irrigada no mundo são responsáveis por 50% da produção mundial de alimentos. No Brasil, chega a 8% do total e já é responsável por mais de 25% da produção de alimento no país.
O professor Everardo Mantonovani costuma fazer uma comparação que explica muito bem a importância da água no sistema de produção de alimentos, fibras e agroenergia, seja ele sequeiro ou irrigado. “Os humanos adultos dependem do sono para sobreviver, assim, seria um absurdo criticar uma pessoa por passar 1/4 ou 1/3 da vida dormindo considerando o normal de 6 a 8 h/dia de sono. O tempo normal que uma pessoa passa dormindo não é um desperdício ou falta de compromisso, e sim uma demanda fisiológica e emocional que permite que ela tenha uma vida saudável. Dessa forma fazendo um paralelo entre a necessidade de sono e a de alimentos, podemos concluir que o uso da água dentro de limites adequados na agricultura irrigada é condição de sobrevivência, e não um luxo”.
Um sistema de irrigação é escolhido, levando em consideração três variáveis que devem ser analisadas de forma criteriosa e tecnicamente em conjunto. São elas: fatores econômico, social e ambiental. A mesma regra vale quando se questiona sobre mudar o sistema de irrigação. Às vezes a maior melhoria se dá pelo manejo adequado do atual sistema utilizado e não necessariamente a mudança do tipo de sistema.
Na irrigação, a água é aplicada na medida da necessidade da planta. A planta absorve um percentual muito ínfimo perto da porção que infiltra no solo, abaixo da zona radicular das plantas, realimentando os lençóis freáticos e as nascentes, que por sua vez, formam os cursos d’água que correm para os rios e mares. Sendo o solo um filtro extremamente eficiente, vem crescendo muito o uso de água residual na agricultura, comprovando mais uma vez a sustentabilidade de seu uso.
A utilização desse recurso natural tão importante para a manutenção da vida na Terra, depende cada vez mais de sua gestão, que deve ser criteriosa e compartilhada. Muito se fala da gestão por demanda de água, mas até hoje não paramos para falar sobre a gestão por oferta de água. Nesse sentido, vemos que o Brasil tem muito a crescer e aprender sobre compatibilizar seus usos com suas ofertas de água. Países com pouquíssima disponibilidade de recursos hídricos irrigam muito mais do que o Brasil, e quando vemos um país como o nosso, com a grande quantidade de água doce disponível enfrentando tantas dificuldades em compartilhar seu uso, temos a certeza da necessidade eminente que nossa país tem em colocar em pauta esse assunto de forma responsável e democrática.