A agricultura irrigada é o maior uso da água no Brasil e no mundo, por isso tem um retorno financeiro tão grande e precisa estar constantemente em debate. O estado de Goiás é um dos maiores produtores do ramo agrícola do país e a irrigação está presente na rotina da maior parte dos campos na região.
Convidamos o especialista da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) Sérgio Ayrimoraes para falar um pouco mais sobre essa técnica utilizada na agricultura e também para comentar sobre a segunda edição do Atlas Irrigação, documento criado para analisar mais profundamente o contexto da irrigação no Brasil. Confira abaixo a entrevista exclusiva.
IRRIGO: Como você avalia o cenário nacional de irrigação? Estamos em um patamar bom ou há ainda pontos a serem melhorados?
SÉRGIO AYRIMORAES: De acordo com os dados da 2a edição do Atlas Irrigação, estudo coordenado pela ANA e publicado no início de 2021, o Brasil totaliza 8,2 milhões de hectares equipados para irrigação, dos quais 35,5% com fertirrigação e 64,5% com irrigação de mananciais. Esse total, coloca o Brasil entre os países com a maior área equipada para irrigação no mundo, mas, ainda, muito atrás de líderes mundiais como a China, a Índia e os Estados Unidos. Como ponto a ser explorado, importante destacar que apesar da elevada área total irrigada, essa parcela no Brasil pode ser considerada modesta frente ao potencial estimado, à área agrícola total, à extensão territorial e ao conjunto de fatores físico-climáticos favoráveis, inclusive a disponibilidade hídrica. Esse panorama é o oposto do verificado nos demais países líderes em irrigação que, de forma geral, estão mais próximos do seu potencial.
IRRIGO: O Brasil hoje é destaque mundial na exportação de alimentos. Levando em conta o tamanho da área que pode ser usada para irrigação, ainda há potencial para crescermos mais o agronegócio?
SÉRGIO AYRIMORAES: Sim. As séries históricas demonstram que os incrementos anuais de área irrigada no Brasil têm sido fortes e persistentes nas últimas décadas, particularmente nos últimos anos, já indicando um aproveitamento desse potencial. Adicionalmente, a Análise Territorial para o Desenvolvimento da Agricultura Irrigada no Brasil, elaborada pela USP/ESALQ (Grupo de Políticas Públicas-GPP), em parceria com ANA e MDR, estima área adicional irrigável no Brasil de 55,85 Mha, com o emprego de tecnologia em áreas atualmente já agrícolas ou destinadas a pastagens. O potencial efetivo foi estimado em de 13,7 Mha e concentra-se no Centro-Oeste (45%), Sul (31%) e Sudeste (19%).
IRRIGO: De acordo com o Atlas Irrigação, o Brasil possui, hoje, 28 Polos de Irrigação. Nos conte mais sobre esses Polos e se o estado de Goiás está presente em algum deles.
SÉRGIO AYRIMORAES: Os 28 polos da 2a edição do Atlas Irrigação foram identificados com base na área irrigada total, na concentração/densidade de ocupação, no potencial de crescimento e no crescimento observado a curto e médio prazos. São, portanto, áreas especiais de gestão dos recursos hídricos para a agricultura irrigada em escala nacional, concentrando 50% da área irrigada e 60% da demanda hídrica atual. Dentre os polos identificados, 09 possuem como tipologia predominante o arroz por inundação e em 15 predominam os pivôs centrais. Os polos de pivôs têm sido os principais motores de expansão da irrigação no Brasil e essa tendência deve prosseguir. Quatro desses polos possuem áreas em território goiano, nas bacias do São Marcos, Alto Preto, Alto Araguaia e Rio das Almas.
IRRIGO: Com toda a sua experiência trabalhando na Agência Nacional de Águas, qual a importância você vê no investimento do agronegócio? Acha que os irrigantes de Goiás devem continuar investindo neste ramo?
SÉRGIO AYRIMORAES: O agronegócio é essencial para a produção de alimentos e desenvolvimento econômico do País. No caso da agricultura irrigada, embora o crescimento da atividade resulte, em geral, em aumento do uso da água, a prática é elemento-chave para o aumento e a estabilidade da oferta de alimentos e consequente aumento da segurança alimentar e nutricional da população brasileira. Vários alimentos são produzidos em áreas com elevada taxa de irrigação, tais como arroz, feijão, legumes, frutas e verduras e verduras. Cabe à gestão de recursos hídricos, por meio de seus instrumentos e ações, garantir a segurança hídrica para o desenvolvimento da atividade e a compatibilização com os demais usos da água. Goiás já figura entre os estados do País com forte crescimento de área irrigada nos últimos anos e com elevado potencial de expansão.
IRRIGO: A qualidade e quantidade dos produtos podem variar de acordo com as técnicas usadas de irrigação? Qual o impacto positivo e negativo que a irrigação pode causar em uma lavoura se usada de forma correta e errada?
SÉRGIO AYRIMORAES: Não existe um método ou sistema de irrigação ideal a priori. A seleção depende de uma avaliação integrada de componentes socioeconômicos e ambientais, incluindo a disponibilidade e a qualidade da água. De forma geral, dentre os benefícios observados na produção irrigada em relação às áreas de sequeiro (não irrigadas), pode-se destacar: o aumento da produtividade (2 a 3 vezes), a melhoria da qualidade dos produtos, a redução de custos unitários, a atenuação dos impactos da variabilidade climática, a otimização de insumos e equipamentos, o aumento na oferta e na regularidade de alimentos e a modernização dos sistemas de produção com a introdução de novos pacotes tecnológicos.
IRRIGO: A água é um elemento essencial para a irrigação. Como o correto uso dela pode aumentar a produtividade do irrigante?
SÉRGIO AYRIMORAES: O uso racional da água é prática necessária tanto do ponto de vista de cada irrigante, buscando ganhos econômicos e de produtividade ao negócio, como de forma coletiva, garantindo a sustentabilidade hídrica da região. Essa prática tem se mostrado uma tendência no agronegócio. De acordo com estimativas do Atlas Irrigação, até 2040, estima-se a incorporação de 4,2 milhões de hectares irrigados (+76%), com um impacto menor sobre a expansão do uso da água (+66%) devido à expansão de métodos mais eficientes.
IRRIGO: Na última edição do Atlas Irrigação é apontado que o setor de irrigação foi responsável por 49,8% da captação de água no Brasil em 2019. A tendência é que a irrigação no Brasil continue crescendo, mesmo em um momento de pandemia?
SÉRGIO AYRIMORAES: A agricultura irrigada é o maior uso da água no Brasil e no mundo. É uma atividade dinâmica e que tem apresentado desempenho crescente e persistente nas últimas décadas, muitas vezes na contramão de períodos instáveis e negativos da economia brasileira. Houve intensificação no período mais recente, atrelado ao maior aporte de crédito e aos investimentos privados – entre 2012 e 2019, o crescimento foi da ordem de 4% ao ano no Brasil, quando foram incorporados cerca de 216 mil hectares ao ano de campos irrigados. Em 2019, o valor da produção irrigada superou a marca de R$ 55 bilhões e a expectativa é de manutenção e até aumento desse ritmo.