Prestes a iniciar a colheita da segunda safra, vários produtores já estão sentindo os graves impactos da maior crise hídrica dos últimos 90 anos. Alguns municípios goianos, em razão da falta de chuvas e da quebra de safra, já decretaram calamidade pública, o que demonstra a gravidade do momento. Mesmo com a expansão da área plantada para a safrinha, a previsão é que o acréscimo de área não irá compensar as eventuais perdas na colheita.
Outro ramo da economia drasticamente impactado será o setor energético, que já mostra claros sinais de comprometimento. Os reservatórios estão com níveis baixíssimos, alguns alcançando níveis inferiores a 10% da capacidade, o que gera preocupação e até mesmo alerta de racionamento de energia.
Em meio à crise hídrica e a possibilidade de racionamento, o governo federal já sinaliza que alguns setores poderão ser prejudicados, em especial, a agricultura irrigada, apontada por muitos como o maior vilão, o que não é verdade.
É preciso, desde já, alertar os desinformados que a agricultura irrigada não é o verdadeiro culpado pela crise hídrica, nem mesmo pode ser responsabilizada pela falha estrutural da matriz energética do país. A título de informação, a agricultura irrigada representa hoje um consumo de apenas 0,6% do total de volume de água disponível, bem aquém do potencial que pode ser utilizado.
Embora os números mostrem o contrário, o Governo Federal já sinaliza que a agricultura irrigada poderá ser o primeiro setor a sentir os efeitos da crise hídrica e energética no país. Medidas como restrições ao uso da água, racionamento de água para irrigação e maior controle fiscalizatório poderão ser utilizados para garantir água aos reservatórios.
As consequências desse racionamento de água para agricultura poderão ser terríveis para a economia nacional. Além de impactar diretamente um setor altamente produtivo, o racionamento – e também a queda na produção – poderá comprometer o abastecimento de alimentos no mercado interno e, por consequência, resultar em aumento de preços, elevação da inflação e até escassez de alimentos.
Polos de agricultura irrigada em Goiás, como a região de Cristalina, são responsáveis pela produção da maioria do alho consumido no país, além de se destacar na produção de feijão, batata e café; alimentos que estão diariamente presentes na mesa do brasileiro.
Outro aspecto importante da irrigação está no enorme acréscimo de produtividade. As áreas irrigadas, além de não sofrerem com os riscos climáticos, como a seca enfrentada este ano, também possuem um aumento de produtividade que eleva de três a seis vezes o potencial produtivo da área. Esse acréscimo, inclusive, diminui a pressão por abertura de novas agricultáveis.
Apesar do tema ser delicado e exigir rigoroso debate, é preciso que as políticas públicas voltadas para a agricultura irrigada e a produção de energia considerem a importância da produção de alimentos no país e não priorizem apenas um setor.
Em Goiás, por exemplo, produtores de regiões críticas, como a Bacia do São Marcos e do Rio Meia Ponte, já sofrem as consequências desse rigor. Desde o mês passado, os irrigantes dessas regiões estão impossibilitados de regularizar os empreendimentos por meio de instrumentos como o Termo de Autorização Temporária e Portaria de Outorga para uso dos recursos hídricos. É preciso que o diálogo e a conscientização andem juntos; e que os agricultores não sejam excluídos das políticas de regularização ambiental.
Artigo escrito por: Artur Siqueira. Advogado. Engenheiro Agrônomo, sócio do GMPR –Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados. Pós-graduado em Agrário e Ambiental pelo IBMEC-SP. Pós-graduando em Direito Processual Civil pelo IDP Brasília. Coordenador do Núcleo de Agronegócio do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD). Membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Goiás. Membro do Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEMAm). Disponível no e-mail: artursiqueira@gmpr.com.br