ENTREVISTA: Pesquisador da Embrapa fala sobre crise hídrica

A crise hídrica chegou forte neste ano e muito se tem falado sobre o papel do agronegócio ser o principal culpado na falta de água no país. Mas, será que é isso mesmo? Convidamos o pesquisador da Embrapa Lineu Neiva Rodrigues para nos falar um pouco mais sobre a crise hídrica que estamos enfrentando e sobre o mito de como o agronegócio e, mais principalmente, a irrigação, tem participação nisso.

Lineu Rodrigues é especialista em água e irrigação e coordenador da Rede Nacional de Irrigantes (RNAI) e grande parceiro da IRRIGO. Para conferir a entrevista completa, confira abaixo.

1. Você acha que a crise hídrica no Brasil ainda deve se prolongar por quanto tempo?

Eu acho que não. Agora começam as chuvas. Em novembro nós temos chuva e aí essa situação, pelo menos por esse ano, ela passa. Eu acredito que não vamos ter grandes problemas neste ano, não. O grande desafio vai ser o quanto vai chover. Se chover pouco aí nós vamos ter um problema, porque aí as barragens para geração de energia não vão encher em sua capacidade e isso vai ser um problema para a gente no próximo ano. Então nós temos que ter uma estratégia para isso, já. Mas, se vier uma quantidade de chuva boa, eu acho que a gente repõe e aí ficamos tranquilo, mas tudo vai depender da chuva. Acho que neste ano não vejo mais grandes problemas, não acho que a chuva vá atrasar, acho que ela vem normal, pelo mesmo prazo, agora não sei o quanto vai vir.

2. E há um único culpado por ela?

Não existe um culpado pela crise hídrica. O culpado é a falta de planejamento. Num país como o nosso nós temos que colocar a água e o alimento como política de Estado, prioritário, depois a gente analisa o resto. O Brasil chove uma quantidade boa de água, tem ano que chove mais, tem ano que chove menos, mas no total, é uma quantidade boa de água. Então não existe culpado, a chuva tem essa variabilidade desde sempre, nós temos que planejar. O que não pode é a gente colocar culpa na agricultura, que num tem nada a ver. A agricultura tem duas modalidades importantes, a de sequeiro e a irrigada. O sequeiro usa a água da chuva e é tão prejudicada quanto qualquer outro setor e a irrigada utiliza água da chuva, mas água de rio ou aquíferos e nisso tem um problema pro setor também, então não tem culpa nisso, existe falta de planejamento.

3. Como e em qual nível o agronegócio brasileiro já está sendo e ainda será impactado pela falta de água?

O impacto já teve. Ela teve lá no início, quando a chuva diminuiu na agricultura de sequeiro e isso impactou tudo que é sequeiro. Milho safrinha, feijão, tudo que dependeu de chuva e agora o impacto nas agriculturas irrigadas. O feijão que é outra cultura de terceira safra e precisa de irrigação. Então esse impacto grosso dele já aconteceu. Agora vamos ver como as chuvas vão vir. Eu não vejo muito mais impacto agora, não, porque agora se começa a planejar pra plantar.

4. Muitas pessoas culpam o agronegócio pela crise hídrica que enfrentamos hoje. Como você reage a essa informação?

Não existe um culpado, muito menos a agricultura. O negócio da agricultura é produzir alimento e para produzir alimento num tem jeito, você precisa de água da chuva e se num tiver água da chuva, você precisa complementar com a água azul que chamamos, que é água dos rios e dos aquíferos, então isso a agricultura faz. Então o grande problema é uma falta de planejamento uma falta de gestão adequada e isso não é culpa das instituições, das agências de água. Nós temos que monitorar mais, tanto o produtor quanto as agências e o governo e colocar o alimento e a água no centro de qualquer política de Estado. E aí acho que a gente vai passar pela crise hídrica. Num é culpar um setor ou outro. Os setores têm que coexistir. Na lei 9433 fala dos usos múltiplos da água. A água tem que ter uso múltiplo, tem que atender a todos os usuários. Quando não for possível, prioriza o consumo humano e a dessedentação animal. A gente não tem que inventar muita coisa. Num tem que pôr culpa em um setor ou no outro, não existe, todos são setores usuários e contribuem para a economia do país. Um país de que tem muita água de maneira geral.

5. Por último, especificamente sobre a irrigação, que é a principal usuária de água, ainda há muitas dúvidas e pensamentos equivocados sobre esta prática agrícola. Como você acredita que pode-se mudar este pensamento?

A gente comunica muito mal, nós temos que nos comunicar melhor. Essa comunicação ela é importante ser feita de uma maneira que a população entenda. A gente comunica mal, então temos que trabalhar nas nossas revistas, trabalhar nos nossos diversos meios e trazer informação qualificada, mostrando a importância da irrigação, que a irrigação complementa a água que falta na agricultura. Ela usa a água da chuva também, e chega nessa período que não chove, ela tem que irrigar. Tudo que é produzido quando não se chove, tem que irrigar. E algumas culturas como hortaliças e flores, mesmo quando chove, tem que irrigar. Então, é basicamente isso, tem que comunicar melhor

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